Voto nulo pode ajudar a entender rejeição ao isolamento social no AM, aponta pesquisa
Luiz G. Melo - A Crítica, publicado em 14/05/2020
O comportamento político pode trazer mais esclarecimentos a respeito do aumento acelerado de casos do novo coronavírus no Amazonas do que o perfil socioeconômico da população. Essa foi a conclusão da quinta edição do boletim do Atlas Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Amazonas (ODS), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), intitulada “A geografia socioeconômica e política da Covid-19 nos municípios do interior do Amazonas”, publicada ontem.
Desde os dois boletins anteriores, os pesquisadores do atlas têm buscado explicações de cunho social para uma compreensão mais abrangente a respeito da pandemia no Estado, já que o “padrão de distribuição da doença” baseado na condição socioeconômica da população foi descartado ao longo da pesquisa.
“Entendemos que essa doença é, sobretudo, comportamental e social. Os dados de pobreza extrema não são o suficiente para explicar o aumento de número de casos nos municípios do interior, ou seja, a pandemia não está restrita a bolsões de pobreza regionais ou locais”, explicou o coordenador geral do Atlas ODS, Henrique dos Santos Pereira, em live transmitida via YouTube na tarde de ontem.
Descartada a correlação entre classe social e maior incidência de infecções pelo novo coronavírus, os pesquisadores se debruçaram, então, no comportamento político da população amazonense, em especial nas eleições gerais de 2018, e traçaram um paralelo entre os votos anulados (que podem ser interpretados como votos de protesto ou de descrença com o sistema político) e o número de casos confirmados da Covid-19.
Analisando as dez cidades amazonenses com mais votos nulos em 2018, os pesquisadores perceberam que o alheamento eleitoral (ato de anular o voto ou votar em branco) da população nos últimos pleitos é uma explicação razoável para entendermos porque muitas pessoas têm ignorado as recomendações governamentais de isolamento social e o uso de máscaras em espaços públicos.
Para ilustrar, Manaus e Manacapuru, que lideram o número de casos da doença no Amazonas com 8.630 e 1.100 respectivamente, registraram 188.050 e 6.892 votos nulos nas últimas eleições gerais, em 2018.
“O alheamento é um bom indicador do comportamento político da sociedade e por extensão do comportamento social dos indivíduos. Votar nulo é uma atitude extrema de quem nega o sistema e o contrato social da democracia representativa. Pode indicar o perfil do eleitor que como pessoa exposta à contaminação nega o comando (ordem) para o distanciamento social, o uso de máscaras, etc. Ou pior do que isso, adota atitudes opostas, como forma de protestar e manifestar a sua descrença no sistema”, apontou Pereira.
“O comportamento político se ajusta melhor à curva de tendências [de casos da Covid-19] que o indicador social da população. Sabemos que submeter ao público uma avaliação preliminar como essa, sem o processo longo da ciência, é um risco, mas gostaríamos de lançar um desafio à academia brasileira e mundial para que avaliem as nossas propostas para produzir conhecimento e nos ajudar a compreender o que estamos enfrentando”, completou.
Aumento de casos no interior
Como já havia sido abordado nas duas edições anteriores do boletim, os pesquisadores apontaram que as curvas epidemiológicas de Manaus e do interior estão cada vez mais próximas, com potencial de ultrapassagem no número de casos identificados fora da capital amazonense nos próximos dias.
No último boletim da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM), Dos 15.816 casos confirmados no Amazonas, 8.630 são de Manaus (54,56%) e 7.186 do interior (45,44%).
O aumento acelerado do número de pacientes no interior expõe cada vez mais um fato delicado: dos 62 municípios do Estado, somente Manaus possui estrutura com leitos de Unidade de Terapia Intensiva para tratar os pacientes que apresentam um quadro mais grave da Covid-19.
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