Desmatamento cresce em anos eleitorais no Brasil e outros países tropicais
PlenaMata
O Brasil é um dos países tropicais que mais perdeu florestas em anos eleitorais, mostra análise de 55 países entre 2001 e 2018. Disputas políticas devem aumentar desmate da Amazônia em 2022, apontam especialistas.
O ano de 2022 começou marcado por eventos climáticos extremos, no Brasil e no mundo. Por aqui, especialistas das áreas ambiental, política, científica e do agronegócio ouvidos pelo InfoAmazonia e PlenaMata projetam meses de tormentas políticas, antes e após as eleições programadas para outubro. Em jogo, está o destino de ambientes como a Amazônia e o equilíbrio ecológico global.
Chuvaradas e alagamentos, estiagens e temperaturas muito elevadas marcam as vidas de inúmeros brasileiros desde novembro passado, sobretudo nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste. Em Minas Gerais, até agora as cheias provocaram 19 mortes e mais de 17 mil desabrigados e desalojados, aponta balanço do Greenpeace. No Rio Grande do Sul, 200 municípios decretaram emergência pela estiagem.
Mesmo já sentindo impactos climáticos, o Brasil continua vendo a assinatura e a aprovação de projetos que podem barrar um desenvolvimento sustentável e seguro para o país. Isso não deve mudar este ano.
“Até 2021, os retrocessos aconteceram sobretudo com decretos e outras normativas do governo. Mas desde sua aliança com o Centrão, disparou a pressão para aprovar projetos retrógrados no Legislativo. Isso seguirá este ano, e é muito mais difícil mudar leis aprovadas do que decretos”, destacou em debate da agência Envolverde Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista em Políticas Públicas do Observatório do Clima.
Nos últimos anos, foram aprovadas ou tramitam no Congresso Nacional propostas para relaxar o licenciamento ambiental de obras com impactos socioambientais, para legalizar terras griladas na Amazônia e outros biomas, ampliar o uso de agrotóxicos, permitir exploração de petróleo e mineração em terras indígenas, e abrindo margens de rios, lagoas e outras Áreas de Proteção Ambiental urbanas para empreendimentos.
“O agro que está no poder e seus aliados seguirão impondo leis arcaicas e colhendo benefícios, como não pagar suas dívidas, que prejudicam o país e poluem a imagem do setor todo. Propostas seladas com o governo surgem do nada e são aprovadas sem debate com outros partidos ou com a sociedade”, alertou o deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista no Congresso.
O cenário político deve se tornar ainda mais perigoso para legislação e órgãos socioambientais se as pesquisas eleitorais seguirem ampliando as chances de uma derrota de Jair Bolsonaro (PL) ou de um candidato apontado por ele. Conforme Suely Araújo, o cenário pode levar setores ligados ao governo a promover um Baile da Ilha Fiscal em 2022, buscando maximizar lucros com novas flexibilizações legais antes de uma eventual troca de comando, em Brasília.
“Os primeiros meses do ano serão de muito esforço para conter novos danos legislativos. A pressão deve esfriar um pouco nos meses antes das eleições, mas voltar com força após o pleito. Tentarão aprovar qualquer coisa, ainda mais diante de uma derrota (do Bolsonarismo)”, ressaltou Suely Araújo.
DESMATAMENTO ELEITORAL
Como reforçam acordos firmados desde a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, em 2021, cresce a demanda nacional e global por produtos livres de desmatamento e outros prejuízos ao clima, aos ambientes naturais e populações indígenas e tradicionais. O Brasil segue na contramão, acumulando recordes anuais de perdas na Amazônia e outros biomas.
“Se políticas e ações de proteção ambiental seguirem sendo desarticuladas e governos seguirem incentivando a ocupação de terras e atividades ilícitas, inclusive em áreas protegidas, o que se espera é a continuação do crescimento das taxas de desmatamento na Amazônia”, ressaltou o doutor em Ecologia Henrique Santos Pereira, professor e pesquisador na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
O problema tende a crescer em anos eleitorais. Estudos publicados em 2018 e 2021 apontam tendências de que nas eleições de países tropicais os políticos permitam um maior uso de florestas em troca de apoio e votos, e de que o desmate aumente quando parlamentares ou membros do Executivo tentam reeleição. Pleitos mais disputados entre situação e oposição são ainda mais ameaçadores para as florestas.
A análise publicada na revista Biological Conservation mostrou que 1,5 milhão de km² – área semelhante a do Amazonas – foram perdidos em 55 países tropicais durante eleições entre os anos de 2001 e 2018. As maiores perdas foram registradas no Brasil, Indonésia e Congo, mas cresceram em 37 (67%) das nações analisadas no período. O balanço apontou aumentos de 8% a 10% no desmate em eleições municipais e nacionais no Brasil.
“Os ciclos de ‘desmatamento eleitoral’ não parecem ser impulsionados por mudanças na política agrícola, mas estar ligados à corrupção e ao financiamento de campanhas, sugerindo que restrições institucionais fracas facilitam a manipulação eleitoral dos recursos florestais”, descreve o trabalho publicado no Journal of Environmental Economics and Management.
Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Philip Fearnside avaliou que o desmatamento aumenta em anos eleitorais pela expectativa de impunidade, de perdão de multas e dívidas, de liberação de recursos associados a favores políticos.
“As pessoas antecipam a visão que têm dos períodos eleitorais desmatando ainda mais nos meses que antecedem aos pleitos. Sem mudanças no atual modelo produtivo, nocivo para o país e para o mundo, o agronegócio e outros setores econômicos sofrerão consequências sérias diante de restrições ao consumo e à importação de produtos brasileiros associados ao desmatamento”, disse.
Eduardo Bastos, do Comitê de Sustentabilidade da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), avalia que debates eleitorais associados à pressão internacional pelo fim do desmatamento destacarão a pauta ambiental entre os candidatos em 2022, mesmo diante da persistência da pandemia de COVID-19. “Candidatos que quiserem votos, especialmente entre a juventude urbana, precisarão sinalizar para essa agenda”, disse.
Parte da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, Bastos projeta novos recordes de produção e exportação do agronegócio este ano, mesmo com impactos climáticos, e defende que o debate para ampliar a sustentabilidade do setor ocorra desde já e não próximo ao fim da década, teto de acordos firmados na COP26 para que o mundo elimine o desmatamento de florestas tropicais.
“Há custos para acabar com o desmatamento e contribuir com acordos climáticos, como pedem os compradores. Produtores precisam ser compensados para manter florestas que podem desmatar, conforme a legislação. Podemos usar áreas degradadas e aumentar a produtividade da agropecuária sem desmatar. Esse pode ser um caminho sem volta, mas a sociedade brasileira precisa decidir seus rumos de desenvolvimento”, destacou.
Conforme Suely Araújo, do Observatório do Clima, é fundamental que especialmente os candidatos da área socioambiental tenham propostas concretas em suas plataformas e campanhas para que possam ter maiores chances de ocupar cargos eletivos.
“Precisarão ter mais do que discursos e afirmar claramente o que querem no lugar do que está aí, e nem sempre será o que se tinha antes. Políticas e órgãos que foram enfraquecidos ou desmontados por este governo, como o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), poderão ser recuperados em bases melhores do que as anteriores para atender às demandas da sociedade brasileira”, completou.
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