Caminhando para trás - Drª Elenise Faria Scherer
Caminhando para trás
Drª Elenise Faria Scherer - Profª titular da UFAM, de políticas sociais e de pesquisa, pesquisadora do CNPq.
De início parabenizar, entre tantas outras, a iniciativa da ONU ao criar a Agenda 2030, em 2015, com meta erradicar a pobreza extrema em todas as suas formas e em todos os lugares. E a UFAM por meio do Centro de Ciências do Ambiente – CCA pela responsabilidade de elaborar o Atlas ODS, aqui estado do Amazonas: uma nova proposta de redução da pobreza mundial. E eu pergunto: o Brasil e atingiu as Metas do Milênio também da ONU?
Em primeiro lugar, cabe destacar que a região Norte é a segunda mais pobre depois do Nordeste. Aqui, no estado do Amazonas estão os municípios mais pobres do Brasil. As agências de oficiais de pesquisa e as não governamentais, as vezes diferem dos critérios e índices utilizados na medição da pobreza. Argumenta-se que o IDH é polêmico e extemporaneo. Mas, se partirmos do SIS – Síntese de Indicadores Sociais do IBGE (2016-2017), ou então das análises do IPEA, ambas registram que 14,4% da população do Amazonas (mais de 4 milhões de habitantes) vive em extrema pobreza.
As informações são díspares. O município de Ipixuna (IDH, 0,453) a exemplo é considerado um dos mais pobres. Assim como Atalaia do Norte (IDH, 0,450) ocupa o terceiro lugar entre os municípios mais pobres do Br. Esses dois municípios não estão na relação do Atlas ODS Amazonas. Atalaia do Norte no Vale do Javari, de fato, merece, entre outros, um olhar detido e muito particular. Casou-me surpresa o município de Barreirinha na relação da ODS.
Quais as razões ou causas para elevada pobreza desses municípios? Espaço é curto para responder. Deveríamos particularizar? Existe uma relação entre região – nação, portanto, estamos num País onde existe uma das maiores concentrações de riqueza e enormes desigualdades sociais do mundo. Por isso, prefiro, pensar em termos de desigualdades sociais. Entendo que a pobreza e a miséria são expressões das desigualdades. Aqui, me refiro, elas não são apenas de renda, falta de dinheiro. Implicam em várias dimensões na vida social. É só verificar os recentes relatórios do PNUD, Banco Mundial e a OXFAM-2018 - A distância que nos une. Um retrato das desigualdades brasileiras (25.09.2017).
A Amazônia tem as suas particularidades. Devo, aqui, considerar a história da colonização da região que deixou rastros comprometedores que extrapolaram os limites regionais e nacionais. Os acentuados processos de espoliação nos anos da produção gomífera. E dando um salto histórico enfatizo a intervenção do Estado Brasileiro na Amazônia brasileira, se considerarmos os anos 70. Os planos de desenvolvimento adotados passaram ao largo da condição humana. Há histórico de déficits sociais, de políticas de (des)valorização e destruição do ambiente natural.
Quanto a isso há uma unanimidade entre os estudiosos, as formas perversas de desenvolvimento regional que olhou e olha a Amazônia como se ela fosse homogênea. E outras tantas causas: uma elite dominante e suas formas de mando, de pilhar da coisa pública e se perpetuam no poder sem a mínima consideração com as pessoas ou povos que aqui vivem.
O secular descaso público pela condição humana, a meu ver, não é decorrente do conhecido argumento falacioso da falta de vontade política. Governo locais, refiro-me aos municipais, despreparados e verdadeiras aves de rapinas. Basta olhar os relatórios do TCE, nos municípios mais pobres colecionam desvios de recursos públicos. Dominação clientelista e ainda persiste o voto de cabresto imerso em outras modalidades de se relacionar com as populações carentes. Há de se evidenciar e reconhecer as formas de resistência e insurgências dos povos tradicionais. Enfim, creio que as raízes das desigualdades são mais profundas do que permite a nossa imaginação e muito além de nossas certezas.
1. Atingiremos a meta de reduzir a menos de 3% até 2030?
Não vejo com positividade. Todos os relatórios das agências de pesquisa indicam que a rota da desigualdade parou de crescer em nosso País entre 2017-2018. Prefiro falar da rota de redução da pobreza e da miséria, pois, as desigualdades estruturais não foram combatidas na sua radicalidade, ao contrário, elas até mesmo se reproduziram. Essa estagnação para os autores dos relatórios advém da crise econômica que o país atravessou desde os fins de 2014. Há um consenso entre eles, entre os quais, me incluo, que com a PEC dos Gastos (95-2016) conhecida como a PEC da morte foi mortal para os gastos públicos nos programas de redução da pobreza e da miséria.
E, a meu ver, o tempo presente não é nada animador. Temos pela frente quatros anos de governo obscurantista, vilipendiador do ser humano e de profundo desrespeito com os direitos sociais. E mais: literalmente não acredita que exista pobreza no Brasil. Esse tempo que se encerram em 2022, se não for golpeado, teríamos tão somente 08 anos reconstruir o Brasil e para reduzir em 3% a pobreza, como pretende em 2030, a Agenda da ONU. Isto me parece pouco provável, pois, a pobreza tem raízes estruturais. E enquanto as desigualdades sociais não forem resolvidas, a pobreza se manterá.
De todo modo, louvo a iniciativa, mas insistindo na multidimensionalidade da pobreza. Esta não se reduz ao suprimento de renda e nem na falta de alimentação. Ela precisa ser vista na sua multidimensionalidade. É necessário política de saúde, de educação, de saneamento básico, energia elétrica, água potável, moradia digna, etc. O respeito pela cultura, pelos valores, crenças, tradição, pelo pertencimento do território, entre tantas questões subjetivas que não aparecem à primeira vista. O Estado brasileiro na Amazônia é praticamente ausente e quando existe funciona de forma precária. Basta lembrar que dos 62 municípios apenas 11 possuem escritórios da previdência social. Aí de quem se arvore a solicitar os direitos a aposentadoria e o auxílio a maternidade.
E mais: como estudar e entender os processos sociais que provocam os níveis de pobreza se não levarmos em conta o tempo e o espaço, a questão étnica e de raça. E, ainda, a questão do gênero. Como desconsiderar as distancias abissais quando chegam os pacotes de benefícios decididos em espaços planaltinos, portanto, sempre pelo alto?
De braços cruzados não podemos ficar. Cabe-nos, portanto, nos contrapormos as políticas públicas equivocadas e desastrosas para a Amazônia que não levam em conta as formas de vida, as diversidades sociais e ambientais sempre desrespeitadas e por isso mesmo são elas os sujeitos de tantos conflitos socioambientais.
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